Bancada do PT pede à Justiça a suspensão imediata de portaria que autoriza o repasse da gestão de CMEIs para OSCs em Goiânia
Os vereadores Fabrício Rosa, Edward Madureira e a vereadora Kátia Maria, do PT, ingressaram com uma ação popular na Vara da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Goiânia para solicitar, por meio de medida cautelar, a suspensão imediata dos efeitos da Portaria SME nº 350/2025, que autoriza o credenciamento, contratação ou formalização de parcerias com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para a gestão de Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) na Capital. De acordo com o pedido dos parlamentares, a Justiça precisa impedir a terceirização das unidades públicas da educação em Goiânia.
A bancada do PT na Câmara de Goiânia alerta a Justiça goiana, na ação popular, que a Portaria 350/2025, da Secretaria Municipal de Educação, assinada pela secretária Giselle Faria e pelo prefeito Sandro Mabel (UB), “na prática, institui um modelo de terceirização da gestão de CMEIs, permitindo que entidades privadas assumam a administração de unidades da rede pública municipal de ensino, inclusive com acesso a recursos públicos vinculados à manutenção e desenvolvimento da educação”.
Inconstitucionalidade da portaria
“Tal medida foi adotada sem prévia autorização legislativa, sem consulta ao Conselho Municipal de Educação, sem oitiva das comunidades escolares afetadas, e sem qualquer estudo técnico divulgado que comprove a necessidade, adequação ou legalidade da proposta. Tampouco houve chamamento público, audiências públicas ou participação de órgãos como o Ministério Público, o Tribunal de Contas dos Municípios ou instâncias de controle social”, denunciam os três vereadores na ação popular.
Segundo Fabrício, Edward e Kátia, a publicação da portaria da SME levou à manifestação pública de repúdio por entidades técnicas e acadêmicas, como o Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação em Contextos (NEPIEC/FE-UFG) e o Fórum Goiano de Educação Infantil (FGOEI). No dia 5 de agosto, as duas entidades emitiram nota conjunta na qual qualificam a Portaria 350/2025 como “um ato de privatização da educação pública municipal”.
Emenda “jabuti”
A terceirização da gestão dos CMEIs teria sido viabilizada por meio de uma emenda parlamentar do tipo “jabuti” ou, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), um típico caso de “contrabando legislativo”, inserida no Projeto de Lei Complementar que versa sobre o processo seletivo para os cargos de direção das unidades escolares, segundo a bancada do PT na ação popular.
“A referida emenda, aprovada sem qualquer debate público ou transparência, revogou a Lei Municipal nº 8.739/2008 e alterou, de forma sorrateira, dispositivos legais essenciais, criando brecha normativa para a entrega da gestão de escolas públicas a entidades privadas, em afronta direta ao devido processo legislativo e aos princípios constitucionais da legalidade e da publicidade.”
Portanto, alegam Fabrício, Edward e Kátia, trata-se de uma iniciativa “marcada por ilegalidade, opacidade administrativa e desvio de finalidade pública, que compromete a integridade do processo legislativo e da política educacional do Município”, circunstâncias que impõem resposta célere e eficaz do Poder Judiciário para a salvaguarda da educação pública e da ordem constitucional violada.
Pedidos à Justiça
Além do pedido de concessão de medida cautelar para suspender imediatamente os efeitos da portaria da SME que autoriza a terceirização de CMEIs na Capital, os três parlamentares do PT requerem ao juiz da Vara da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Goiânia a proibição de qualquer credenciamento, contratação ou formalização de parcerias com OSCs para a gestão de CMEIs ou para a delegação de atividades-fim da educação infantil até a decisão final da ação popular.
Fabrício, Edward e Kátia solicitam que seja feita a comunicação imediata da decisão liminar, caso o pedido seja acatado, ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) e ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), para que tomem as providências cabíveis em suas respectivas esferas de atuação, acompanhem o cumprimento da decisão e fiscalizem a aplicação dos recursos públicos na educação.
A bancada do PT na Câmara de Goiânia também pede à Justiça a fixação de multa diária pessoal no valor de R$ 100 mil ao prefeito de Goiânia e à secretária municipal de Educação em caso de descumprimento da decisão liminar, nos termos do artigo 537 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das demais sanções civis, administrativas e criminais cabíveis. Os vereadores e a vereadora solicitam que o MP-GO seja intimado para atuar como fiscal da lei na ação popular.
Por fim, os três parlamentares requerem à Justiça que os pedidos sejam julgados procedentes para que a Portaria 350/2025 da SME tenha sua nulidade declarada, “bem como quaisquer atos dela decorrentes, por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, restabelecendo a gestão pública direta e democrática da educação infantil no Município de Goiânia”.
Perigo na demora
A bancada do PT na Câmara de Goiânia alega na ação popular que o “periculum in mora” (perigo na demora) da concessão da liminar pode trazer consequências graves e, em grande parte, irreversíveis para a educação pública municipal, como o risco de contratação imediata de OSCs e o início da execução da portaria.
“Uma vez formalizadas as parcerias e iniciada a gestão privada dos CMEIs, a reversão da situação se tornará extremamente complexa, gerando instabilidade para as comunidades escolares, descontinuidade pedagógica e prejuízos incalculáveis para as crianças. A urgência da medida se justifica pela necessidade de impedir que um ato manifestamente ilegal e inconstitucional produza efeitos concretos e consolide uma situação de fato que será de difícil desfazimento.”
Outra consequência grave alegada pelos vereadores e pela vereadora no pedido de suspensão da portaria está na terceirização da gestão dos CMEIs, que “coloca em risco a perda de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)”.
“A Lei do Fundeb estabelece critérios rigorosos para a aplicação dos recursos, exigindo que no mínimo 70% sejam destinados ao pagamento de profissionais da educação em efetivo exercício. A delegação da gestão a OSCs, com a substituição de profissionais concursados por contratados sem vínculo direto com a Administração Pública, pode desvirtuar a aplicação desses recursos, levando à glosa por parte dos órgãos de controle e à consequente perda de verbas essenciais para a educação municipal”, alertam os três parlamentares.
Dano à gestão democrática da educação infantil
O dano à gestão democrática da educação infantil é apontado por Fabrício, Edward e Kátia como o mais grave e irreversível. “A participação da comunidade escolar (pais, mães, professores, professoras, funcionários, funcionárias, alunos e alunas) na gestão das unidades de ensino é um pilar fundamental da educação pública de qualidade, garantido pela Constituição Federal e pela LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]. A terceirização da gestão dos CMEIs esvazia essa participação, concentrando as decisões em entidades privadas que não possuem o mesmo compromisso com o interesse público e a transparência que se espera da Administração Pública.”
Continuam os vereadores e a vereadora: “A perda do controle social sobre as creches e pré-escolas, a desvalorização dos profissionais da educação concursados e a precarização das relações de trabalho terão um impacto duradouro na qualidade do ensino e no ambiente escolar, comprometendo o desenvolvimento integral das crianças. A reversão desse cenário, uma vez consolidada a terceirização, demandará um esforço hercúleo e um tempo considerável, com prejuízos que se estenderão por gerações”.
Credenciamento de OSCs não é apenas complementar
Na ação popular, a bancada do PT alega que “a prefeitura poderá alegar que o credenciamento de OSCs é apenas complementar à atuação da SME e que não se trata de terceirização integral”. “Contudo, a própria Portaria nº 350/2025, ao autorizar a formalização de parcerias para ‘complementar a atuação da SME na execução de ações voltadas à Educação Infantil’, e a análise do contexto fático – com a transferência de responsabilidades administrativas, financeiras e pedagógicas – demonstram que a medida vai muito além de uma mera complementação”.
“Trata-se, na verdade, de uma delegação de atividade-fim, que desvirtua o caráter público e essencial da educação infantil. O Parecer CNE/CEB nº 10/2016 é claro ao diferenciar a colaboração complementar da terceirização da gestão, vedando esta última”, observam Fabrício, Edward e Kátia.
Além disso, o déficit de vagas deve ser combatido com a expansão da rede pública, a construção de novas creches e a contratação de profissionais concursados, e não com a terceirização da gestão, que precariza o ensino e compromete a qualidade. “A jurisprudência do STF e do STJ é uníssona ao afirmar que a falta de vagas não justifica a inobservância dos preceitos constitucionais e legais que regem a educação. A solução para o déficit de vagas deve ser estrutural e permanente, e não paliativa e ilegal”, pontuam os parlamentares do PT na ação popular.